Creio que estou chegando lá. De tanto me dedicar à Semiologia, estou cada vez mais convencido da possibilidade de que o mundo não existe, de que ele nada mais é do que um produto da linguagem.
Houve momentos, no decorrer do século passado, que a filosofia se recusou a falar do mental sob o pretexto de que não podia vê-lo. Hoje em dia, com as ciências cognitivas, as questões do conhecimento – o que quer dizer conhecer, perceber, aprender? – tornaram-se centrais. Os progressos da ciência permitem tocar naquilo que antigamente era invisível, o que obriga a Semiótica questionar: como é que a linguagem estrutura a percepção que temos das coisas?
Nem sempre foi esse o caso. A linguagem de Pascal ou de Descartes é simples e corriqueira. O próprio Bergson, que trabalha com conceitos difíceis, fala sem tecnicismos. Na segunda metade do século passado, as coisas mudaram. Por que o francês de Lacan parece difícil? Porque sua sintaxe não é francesa, é alemã! De fato, nos anos 60 houve uma verdadeira invasão alemã na filosofia francesa. Daí a ruptura entres os dois continentes. Isso criou uma barreira enorme entre a filosofia insular e a continental.
Os anglo-saxões Locke e Berkeley falam como todo mundo. Wittgenstein, quando começou a pensar em inglês, utilizava uma linguagem simples. Eis a razão por que os americanos gostam tanto de Gramsci – porque ele não se valia do jargão alemão – e por isso eles não se deixaram contaminar pela fenomenologia, por Heidegger, que lhes é incompreensível. Todavia, cederam diante dos franceses germanizados, que influenciaram sua literatura e, depois, sua filosofia. Já é difícil traduzir Lacan em “francês”, imagine em inglês! No Brasil também aconteceu a mesma coisa: basta que um termo seja alemão para que seja considerado com seriedade.
A língua é uma força biológica: não se pode modificá-la com uma decisão política. Pode-se, quando muito, influenciar o uso. É uma função dos jornalistas, escritores e da mídia. Um bom uso mostra-se pela flexibilidade com que as palavras são aceitas. Todas as línguas estão repletas de palavras estrangeiras que foram naturalizadas.
Os jornais brasileiros (alguns) nos dizem com frequência que Michael Schumacher, da Fórmula I, pegou a “pole position”, um termo inglês inútil, pois pode dizer perfeitamente que chegou em primeiro lugar ou qualquer coisa parecida. Certa vez, li num jornal que Schumacher tinha conseguido a “pool position”. Ele devia estar, então, na piscina!
Hoje em dia, as pessoas falam sua língua nativa mais corretamente, lêem mais jornais, mais livros. Isso não significa que a humanidade esteja melhorando e tampouco quer dizer que há menos banalidades, esterótipos e bobagens. Os editores, os donos de televisão, jornais e os críticos literários não entenderam que houve uma revolução espiritual, que o nível geral subiu.
Os franceses fazem de conta que brigam com o inglês, mas têm medo mesmo é do alemão. Desde a queda de Berlim, a Europa do Leste transformou-se num bolsão de poliglotismo alemão e há muita probabilidade de que o alemão se imponha na Europa!
Nunca, no mundo, alguém conseguiu impor a língua estrangeira dominante. Os romanos foram mestres do mundo, mas seus eruditos conversavam em grego entre si. O latim se tornou a língua europeia quando o império romano desmoronou. No tempo de Montaigne, o italiano era o vetor da cultura. Depois, durante três séculos, o francês foi a língua da diplomacia. Por que o inglês hoje? Porque os Estados Unidos ganharam a guerra e porque é mais fácil falar mal o inglês do que falar mal o francês ou o alemão. O que não impede que os franceses falem de uma “colonização” de sua língua pelo inglês.
*Nelson Valente (nelsonvalente@hotmail.com) é professor universitário, jornalista e escritor (publicado no dia 25 no Portal da Propaganda)