Inicio meu 30º ano como repórter desta Folha. Como testemunha ocular da história de meu tempo, posso festejar o trânsito do Brasil, nesse período, para país quase normal, quase.
Comecei no tempo em que terroristas atacavam bancas de jornais e outros alvos, como a OAB, identificados como de oposição à ditadura. Escrevi um texto dizendo que, se se quisesse chegar aos autores, bastaria bater às portas dos DOI-Codi, os braços operacionais do mecanismo repressivo (o que se comprovaria no atentado do Riocentro, no ano seguinte).
À noite, recebo em casa telefonema do então "publisher" da Folha, Octavio Frias de Oliveira. Comenta a repercussão da nota e oferece refúgio, por alguns dias, em sua granja de São José dos Campos.
Trinta anos depois, jornalistas da Folha enfrentam riscos, mas judiciais, casos de Elvira Lobato e Frederico Vasconcelos, para ficar só nos desta casa. Mas o jornal lhes oferece advogados, em vez de refúgio. É bem melhor assim.
Faz uns 15 anos, durante um dos encontros anuais do Fórum de Davos, almocei com um jornalista português que queria saber da transição brasileira. Contei como a ditadura havia sido derrubada, digamos assim, por um Colégio Eleitoral montado por ela própria, com maioria governista, mas que elegeu um oposicionista, que se gabava de jamais ter tido nem mesmo um resfriado, mas caiu no hospital na véspera da posse e só saiu dele para outro hospital e dali para o cemitério, substituído pelo vice, que não era da oposição, mas fora presidente do partido de sustentação da ditadura, mas, não obstante, fez a transição e ainda por cima um plano econômico que lhe valeu recorde de popularidade...
Parei aí. Nem eu acreditava que tudo aquilo acontecera. Trinta anos depois, o Brasil chega ser aborrecidamente normal nesse capítulo. Felizmente.